2013/05/08

Crítica: Ópera de Roger Waters ganha montagem competente em SP


07/05/2013
SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA

"Ça Ira - Há Esperança", ópera de Roger Waters (fundador do Pink Floyd) sobre libreto de Étienne e Nadine Roda-Gil, em cartaz no Theatro Municipal, é um item importante na trajetória do autor de "Another Brick in the Wall".

Waters dedicou 16 anos ao projeto, que originalmente seria apresentado em Paris como celebração do bicentenário da Revolução Francesa, mas que só ficou pronto em 2005. Não é uma incursão pop sinfônica habitual.

A montagem paulista trata a obra com dignidade e competência. Dirigida por André Heller-Lopes, é ambientada em um hospício e pareia o desejo de liberdade individual com o de revolução social.


A presença de Waters em São Paulo, ao lado de Heller-Lopes, do mestre iluminador Fabio Retti e do regente Rick Wentworth --colaborador do baixista inglês desde o princípio-- ajudou no rigor e inspirou o ótimo elenco brasileiro.

Os destaques foram a voz doce da soprano Lina Mendes (cuja carreira merece ser acompanhada) e do barítono Leonardo Neiva, hoje um dos grandes artistas do país.

Não tem sentido recusar a música de Waters por ela ser tonal e "romântica", pois, de fato, as obras apresentadas nas casas de ópera também são, em sua maioria, tonais e românticas.

Sua técnica é a de um artista pop, que organiza os planos sonoros por camadas, fazendo uso de gravação e montagem como processo estrutural gerador de texturas, cortes e timbres.

Ao contrário da música do século 19, a atenção principal não está na harmonia.

A cena do rei com os relógios lembra o tempo maquinal das caixas registradoras em compasso de sete tempos de "Money", música do Pink Floyd do álbum "The Dark Side of the Moon" (1973), e as danças grotescas remetem ao "Mr. Kite", dos Beatles: é "Sgt. Pepper's" --e não Verdi-- a matriz da geração de Roger Waters.

Os momentos grandiosos, no entanto, soam mais fracos. É quando o humanismo de Waters se torna exagerado, quase moralista. Falta ironia à partitura, e mais de uma cena se perde em um jogo vazio e sem fôlego.

Quando isso acontece, a música, estereotipada, destoa da cenografia inspirada no artista plástico Arthur Bispo do Rosário. Além disso, a Orquestra Sinfônica Municipal esteve um pouco desatenta (sobretudo os trompetes).

Com a interrupção da temporada de óperas para a nova reestruturação do Theatro Municipal, "Ça Ira" se tornou um item isolado. Mas vale a experiência, pois, afinal, "quando a loucura é compreendida, todos são iguais".






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